e a história foi o seguinte:


No princípio era o Verbo e tudo começou como sempre tudo começa: um problema, um papel branco, uma caneta azul e uma escuridão tremenda. Logo depois Ele teve um insight e fez-se a luz. E foi-se a manhã e a noite do primeiro dia.
Aí, começou a criar as coisas, muitas coisas, e via que era bom. Bem, ao menos não tinha ninguém para botar defeito. E acabou percebendo um novo problema. E foi-se a manhã e a noite do segundo dia.
Talvez num dos maiores momentos de “apertar botão”, o Criador acabou concebendo um Homem. E, sem passar brief, solicitou logo um job à sua criação: “Dê nomes para todas as coisas que Eu criei”. E foi-se a manhã e a noite do terceiro dia.
Daí Ele percebeu que, em partes, o problema estava resolvido. Sim, porque os nomes criados eram meio chavões. Faltava alguém mais crítico. E criou a Mulher. E viu que era bom. Muito bom! E foi-se a manhã e a noite do quarto dia.
Na manhã do quinto dia, a equipe estava enfim completa, com o Diretor, o Criativo e sua nova Assistente. E foi-se a tarde e a noite, quando decidiram pedir uma pizza.
No sexto dia findava-se a primeira campanha publicitária de toda história. Pássaros cantavam nos céus, animais andavam nas terras, peixes nadavam nos rios e oceanos (claro que eles faziam mais coisas, mas aqui a gente não pode falar); flores coloridas pelos campos e frutas à disposição para a dupla se deliciar no trabalho. E uma fruta, apenas umazinha bem ao centro do departamento de arte, recebia um belo frontlight a sua frente que dizia: “Não coma.”

No sétimo dia Ele descansou e a dupla aproveitou para fazer alterações em alguns layouts.
Daí pra frente, a coisa deu uma desandada e começaram a aparecer os primeiros problemas comuns das equipes de criação: egos inflados aqui, piração pelos festivais acolá, e aquele frontlight começou a incomodar. Ai, aquele frontlight. Algo terminantemente proibido justo num tipo de trabalho tão eclético, liberalzinho, descolado e em que a palavra NÃO não é nada legal utilizar?
Com o passar do tempo a assistente já não criava mais nada até porque cabia a ela apenas auxiliar mesmo. Só que ela também desejava ser famosa e reconhecida. Um leão era o seu grande sonho, mas não o que ela tinha a distância da mão. Tinha que ser o de Cannes.
Sabendo disso, a Serpente acabou dando o primeiro passo para ser um bom Atendimento e vendeu a maçã. Alegou à Assistente que o fruto proibido era a fonte de toda a criatividade do Diretor de Criação e despertou o primeiro desejo de consumo que se tem notícia.
Mas convenhamos, quem resistiria à garantia de criatividade ilimitada? Nem eu nem a Eva. A moça não teve a mínima culpa por ter caído em tentação… E o Adão? Grande Adão amigão do Zeca. Caiu no conto das propagandas de cerveja quando uma modelo de cachê altíssimo, apenas de folhinha, sussurrou em seu ouvido: – Experimenta…
E com isso eles foram expulsos daquela agência e obrigados a povoar a Terra com filhos-logomarcas, filhos-outdoors, filhos-anúncios, filhos-luminosos, filhos-embalagens, filhos-filmes, filhos-spots; ficando para a posteridade a lição de que a cada problema resolvido, sobe-se um degrau da escada que leva ao próximo Anuário.

Mauro Sérgio de Morais - Escritor do Casa do galo.

Débora Luise Bertling

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